A Principal Causa de Mortes na Construção
As estatísticas não mentem: a queda de nível é a principal causa de acidentes fatais na construção civil brasileira. Um passo em falso num andaime ou uma escada mal posicionada podem acabar com uma vida e fechar uma construtora.
Para mitigar esse risco, o Ministério do Trabalho criou a NR-35 (Norma Regulamentadora nº 35).
Muitos engenheiros acham que a NR-35 é responsabilidade apenas do Técnico de Segurança. Errado. O Engenheiro Civil é o responsável solidário (civil e criminalmente) pelo que acontece no canteiro. Neste guia, vamos descomplicar a NR-35 Trabalho em Altura e mostrar o que você precisa exigir da sua equipe para dormir tranquilo.
O Que é Considerado “Trabalho em Altura”?
A norma é clara e direta. Considera-se trabalho em altura toda atividade executada acima de 2,00 metros do nível inferior, onde haja risco de queda.
- Exemplo 1: Pintar uma fachada no 10º andar? Sim.
- Exemplo 2: Trocar uma lâmpada em uma escada de 2,5m? Sim.
- Exemplo 3: Escavar um poço de 3 metros de profundidade? Sim (o risco é cair dentro).
Se passou de 2 metros, a NR-35 entra em vigor e exige: Treinamento, Planejamento e EPI.
O Tripé da Segurança: Capacitação, Planejamento e Equipamento
Para atender à norma, você precisa garantir três pilares:
1. Capacitação (O Treinamento) Nenhum trabalhador pode subir num andaime sem ter o curso de NR-35 (8 horas).
- Validade: O curso vale por 2 anos.
- Exame Médico: O ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) deve constar explicitamente “Apto para Trabalho em Altura”. Quem tem labirintite ou pressão descontrolada não pode subir.
2. Planejamento (APR e PT) Lembra da APR (Análise Preliminar de Risco)? Ela é obrigatória aqui. Antes de subir, a equipe deve analisar os riscos. Para atividades não rotineiras, exige-se também a PT (Permissão de Trabalho), assinada pelo responsável.
3. Sistema de Proteção Contra Quedas (EPI e EPC) Aqui é onde a engenharia atua. A prioridade é sempre o EPC (Proteção Coletiva).
- EPC: Guarda-corpo, redes de proteção, linha de vida fixa.
- EPI: Se o EPC não for suficiente, entra o EPI.
O Talabarte Duplo e o Ponto de Ancoragem
O erro mais comum no canteiro: o operário usa o cinto, mas não prende em lugar nenhum.
- Cinto Tipo Paraquedista: É o único aceito. Cinto abdominal é proibido.
- Talabarte em Y (Duplo): Permite que o trabalhador se desloque. Ele conecta um gancho, anda, conecta o segundo gancho e só depois solta o primeiro. Assim, ele nunca fica “solto”.
- Ancoragem: O cinto deve ser preso em um ponto que aguente 1.500 kgf. Prender o cinto no próprio andaime (se ele não for calculado para isso) é proibido. O ideal é usar uma Linha de Vida independente.

O Direito de Recusa
A NR-35 dá ao trabalhador o direito (e o dever) de se recusar a trabalhar se identificar risco grave e iminente. Se o andaime está bambo ou se está ventando muito forte, o operário pode cruzar os braços. E o engenheiro deve apoiar essa decisão. Nunca force uma situação de risco para “ganhar tempo”.
O Que Fazer se Alguém Cair?
Este é o ponto cego de 90% das obras. Você treinou a equipe, comprou o EPI e instalou a linha de vida. Mas… e se o trabalhador cair e ficar pendurado?
A NR-35 exige que toda obra tenha um Plano de Resgate e Emergência. Não basta ligar para o SAMU ou Bombeiros. O tempo de resposta deles pode ser de 20 ou 30 minutos. Um trabalhador suspenso pelo cinto, imóvel, começa a sofrer da Síndrome da Suspensão Inerte em menos de 10 minutos. O cinto aperta as artérias femorais, cortando a circulação. Isso pode levar à trombose, desmaio e morte rápida.
Sua obra precisa ter:
- Equipamento de Resgate: Um kit de polias ou cordas pré-montado no local.
- Equipe Treinada: Alguém na obra precisa saber subir lá e descer a vítima em segurança imediatamente.
- Simulado: Faça um teste prático. Quanto tempo sua equipe leva para descer um boneco (ou voluntário) pendurado? Se demorar mais de 15 minutos, seu plano falhou.
Checklist Rápido do Engenheiro (Antes de Liberar)
Para facilitar sua vida, use este checklist mental antes de autorizar qualquer trabalho em altura:
- [ ] O ASO (Exame médico) do funcionário está em dia e diz “Apto para Altura”?
- [ ] O treinamento NR-35 está dentro da validade (2 anos)?
- [ ] A PT (Permissão de Trabalho) foi assinada?
- [ ] O ponto de ancoragem foi testado/verificado? (Não vale amarrar em cano de PVC!).
- [ ] O clima está favorável? (Sem chuva forte ou ventania).
- [ ] A área embaixo está isolada? (Para evitar que ferramentas caiam na cabeça de quem passa).
Se um desses itens for “Não”, o trabalho não começa.
Conclusão
A NR-35 Trabalho em Altura não é burocracia, é um manual de sobrevivência.
Como gestor da obra, sua atitude define a cultura de segurança. Se você vê um funcionário sem cinto e não fala nada, você acabou de autorizar o comportamento inseguro. Fiscalize, exija o treinamento e garanta que os pontos de ancoragem sejam seguros. A vida da sua equipe vale mais que o cronograma.

