Obra Executada não é Obra Paga
Na engenharia civil, existe uma máxima cruel que todo recém-formado aprende da pior maneira: “O que não é medido, não é pago”. Você pode ter concretado 100 m³ de estrutura ou assentado 500 m² de piso, mas se essa atividade não estiver devidamente registrada, aprovada e lançada no Boletim de Medição dentro do prazo, para o departamento financeiro da construtora, é como se você não tivesse trabalhado.
A Medição de Obras é, sem dúvida, o processo administrativo mais crítico para a saúde financeira de um contrato. É ela que transforma o suor do canteiro, o consumo de materiais e as horas de trabalho em nota fiscal e fluxo de caixa.
Neste guia completo, vamos detalhar o ritual da medição, desde o levantamento de campo até a aprovação do cliente, e mostrar como evitar as temidas “glosas” (cortes no pagamento) que podem quebrar uma empresa.
O Que é a Medição de Obras?
A medição é a verificação periódica (geralmente mensal ou quinzenal) das quantidades de serviços efetivamente executados em conformidade com o projeto e as normas técnicas, com o objetivo de liberar o pagamento correspondente.
Ela não é apenas uma conferência geométrica (“quantos metros de parede fizemos?”). Uma Medição de Obras profissional é composta por um tripé:
- Avanço Físico: O serviço existe no mundo real?
- Qualidade Técnica: O serviço está bem feito, nivelado, no esquadro e aprovado pela fiscalização?
- Documentação: As evidências (fotos, laudos, CNDs, folha de pagamento) estão anexadas?
Se faltar um desses pés, a medição cai.
O Ciclo da Medição (Datas de Corte)
Para não perder o prazo, você precisa entender o “Ciclo da Medição”. Geralmente, funciona assim em contratos corporativos:
- Dia 20 a 25: Levantamento de campo conjunto (Empreiteiro + Fiscal).
- Dia 25 a 27: Emissão do Boletim de Medição (BM) provisório para revisão.
- Dia 30: Aprovação final e emissão da Nota Fiscal.
- Dia 15 ou 30 do mês seguinte: Pagamento efetivo.
Perder a “data de corte” (dia 25, por exemplo) significa que todo o serviço feito depois disso só entra na medição do mês seguinte. Isso gera um “buraco” no fluxo de caixa de 30 dias que pode ser fatal para pagar a folha dos operários.
Critérios de Medição: As Regras do Jogo
Antes de medir a primeira parede, você precisa ler o contrato e entender o Critério de Medição. É aqui que muitos engenheiros perdem dinheiro.
1. Critério de Etapas (Preço Global) O pagamento é atrelado a marcos.
- Exemplo: “Fundação 100% Concluída”. Se faltar uma estaca, você não mede nada (0%). É tudo ou nada.
2. Critério Unitário (Preço Unitário) Mede-se exatamente a quantidade executada.
- Exemplo: 152,5 m² de piso cerâmico.
3. A Polêmica dos Vãos (Janelas e Portas) Na alvenaria e pintura, como descontar as janelas?
- Regra Comum: Vãos menores que 2,00 m² não são descontados (cobra-se “pano cheio” para compensar o trabalho de requadros e recortes). Vãos maiores que 2,00 m² descontam-se apenas o excedente.
- Cuidado: Verifique se o seu contrato segue a tabela SINAPI, TCPO ou uma regra própria do cliente. Se você medir “pano cheio” e o contrato mandar descontar tudo, sua medição será rejeitada por má-fé.

Passo a Passo de uma Medição Perfeita
Para evitar que o fiscal do cliente corte sua medição (Glosas), siga este roteiro de 3 passos:
Passo 1: Memória de Cálculo Visual Não chegue na reunião apenas com números numa planilha. Leve uma planta baixa impressa (ou em PDF no tablet) com as áreas executadas pintadas (hachuradas) em cores diferentes para cada mês. A memória de cálculo deve ser rastreável: “(Parede Eixo A entre P1 e P2) 3,00m x 2,80m = 8,40m²”. Transparência gera aprovação rápida.
Passo 2: O Dossiê de Evidências O papel aceita tudo, mas a medição precisa de provas. Anexe obrigatoriamente:
- Relatório Fotográfico: Fotos datadas e legendadas do serviço.
- FVS (Ficha de Verificação de Serviço): A prova de que a qualidade foi checada e liberada. Sem FVS assinada, não há pagamento.
- Laudos Tecnológicos: Resultado do rompimento do concreto (CPs) aos 28 dias.
- As-Built: Se houve mudança de projeto, o desenho atualizado deve acompanhar a medição.
Passo 3: O Boletim de Medição (BM) É a capa do processo, geralmente feita no Excel. Um documento resumo que mostra:
- Saldo Contratual: Quanto tínhamos no início.
- Medição Anterior: O que já foi pago.
- Medição Atual: O que estamos cobrando agora.
- Saldo a Medir: Quanto sobra para o fim da obra.
Como Evitar Glosas (Cortes no Pagamento)
A “Glosa” é o pesadelo do engenheiro. É quando o cliente olha sua medição de R$ 100.000 e diz: “Aceito apenas R$ 80.000”. Os motivos mais comuns são:
- Falta de Qualidade: Você mediu 100m² de pintura, mas 20m² estão manchados ou descascando. O cliente glosa tudo até você refazer.
- Falta de Documentação: Você mediu a estrutura metálica, mas esqueceu de anexar o Data Book com os certificados de solda. O pagamento fica retido.
- Avanço Físico “Otimista”: Tentar medir 100% de algo que está 95% pronto (“só falta limpar”). Fiscal experiente não aceita promessa, só serviço pronto.
Conclusão
A Medição de Obras exige rigor matemático e disciplina documental. Um engenheiro que faz uma medição precisa, honesta e bem documentada ganha o respeito do cliente e, principalmente, garante a saúde financeira da construtora.
Não deixe para montar a pasta de medição no dia 30. A medição começa no dia 1, organizando as evidências diariamente. Lembre-se: sem medição aprovada, a obra para.

