O Vizinho Sempre Vai Culpar a Obra
Imagine a cena: você começa a bate-estaca da fundação. Duas semanas depois, recebe uma notificação judicial do vizinho alegando que a casa dele está cheia de rachaduras causadas pela vibração da sua obra. O problema? As rachaduras já estavam lá há 10 anos, mas agora você não tem como provar.
Resultado: A obra é embargada e a construtora paga uma indenização injusta.
Para evitar esse pesadelo, existe a Vistoria Cautelar de Vizinhança. Ela é o “Raio-X” dos imóveis vizinhos antes do início das atividades. É a prova técnica que separa o que é dano novo (sua culpa) do que é dano pré-existente (problema do vizinho).
Neste artigo, vamos explicar como realizar esse procedimento conforme a norma NBR 12.722, garantindo a segurança jurídica do seu empreendimento.
O Que é a Vistoria Cautelar?
É um laudo técnico, elaborado por um engenheiro ou arquiteto, que registra fotograficamente e por escrito o estado de conservação dos imóveis no entorno da obra.
O objetivo é cristalizar a realidade. Se a parede do vizinho já tinha uma trinca no dia 01, e sua obra começou no dia 10, você não pode ser responsabilizado por aquela trinca.
A Obrigatoriedade Legal (NBR 12.722)
Muitos acham que a vistoria é “opcional”. Não é. A norma NBR 12.722 (Discriminação de serviços para construção de edifícios) estabelece que é dever do construtor vistoriar as edificações vizinhas antes de iniciar escavações ou fundações.
Se você não fizer a vistoria e o vizinho reclamar, o juiz quase sempre dará ganho de causa ao vizinho, pois você assumiu o risco ao não produzir a prova contrária (inversão do ônus da prova).
Passo a Passo: Como Fazer a Vistoria
1. Definição do Raio de Influência Quais casas devem ser vistoriadas? Geralmente, define-se um raio igual à altura da edificação ou profundidade da escavação. Na dúvida, vistorie todos os confrontantes diretos (lados e fundos) e os imóveis da frente.
2. A Notificação (Carta Registrada) Envie uma carta com AR (Aviso de Recebimento) aos vizinhos solicitando agendamento da vistoria. Explique que é uma medida de segurança para eles.
- E se o vizinho recusar? Ele tem esse direito. Nesse caso, vá ao Cartório de Títulos e Documentos e registre que você tentou realizar a vistoria e foi impedido. Isso tira a sua responsabilidade sobre danos pré-existentes que não puderam ser vistos.

3. A Vistoria in Loco (O Registro) No dia agendado, o engenheiro deve entrar no imóvel e fotografar tudo:
- Fachadas e muros.
- Pisos (procure peças quebradas ou som cavo).
- Paredes e tetos (registre cada fissura, mancha de mofo ou infiltração).
- Portas e janelas (verifique se abrem e fecham ou se já estão emperradas).
4. O Laudo Técnico O produto final é um Laudo contendo:
- Identificação do imóvel e proprietário.
- Data da vistoria.
- Relatório fotográfico detalhado (com legendas).
- Croqui de localização dos danos encontrados.
- Assinatura do engenheiro e, se possível, o “de acordo” do vizinho.
Dica de Ouro: Use Vídeo Além das fotos, faça um vídeo contínuo em alta resolução caminhando pelo imóvel. O vídeo dá uma noção espacial que a foto isolada às vezes perde. Armazene isso na nuvem.
Registro e Validade Jurídica: Onde Guardar o Laudo?
Uma dúvida comum é: “Eu fiz o laudo, imprimi e guardei na gaveta. Isso vale como prova?”. Vale, mas pode ser contestado. O vizinho pode alegar que você fabricou aquele laudo ou alterou as fotos depois que o dano apareceu.
Para blindar o documento juridicamente, você precisa garantir a Data Certa (Tempestividade) e a Inviolabilidade. Existem duas formas de fazer isso:
- Registro em Cartório de Títulos e Documentos: É a forma tradicional. Você leva o laudo impresso e registra. O cartório dá “Fé Pública”, atestando que aquele documento existia com aquele teor naquela data exata. Ninguém pode dizer que você inventou as fotos depois.
- Registro Digital via Blockchain: É a forma moderna, mais barata e igualmente válida juridicamente. Plataformas online permitem que você suba o PDF do laudo e ele receba um “carimbo de tempo” (timestamp) criptografado. Isso prova que o arquivo não foi alterado desde aquela data.
Monitoramento Durante a Obra
A Vistoria Cautelar não morre no dia que a obra começa. Se durante a fase de fundação (bate-estaca ou escavação) o vizinho reclamar, o engenheiro deve voltar ao imóvel com o laudo em mãos para comparar:
- “Olha, vizinho, essa trinca aqui na foto 15 já existia, veja a data.”
- “Porém, essa outra fissura aqui na cozinha realmente não estava no laudo. Essa é nova e nós vamos reparar.”
Essa postura transparente evita brigas e mostra que a construtora é séria e responsável.
Conclusão
A Vistoria Cautelar de Vizinhança é o seguro mais barato que uma construtora pode contratar. O custo de um engenheiro por alguns dias é irrisório perto de uma indenização por danos estruturais ou de uma obra parada por liminar.
Não comece a escavar sem antes documentar. Na engenharia, quem tem a prova técnica é quem ganha o jogo. Proteja sua empresa, proteja seu vizinho e garanta a paz na vizinhança.

